sábado, 30 de abril de 2011

Módulo 2 - Parte 1

 Contação de historias e seu vínculo com a educação e formação de leitores




Ler é uma aptidão adquirida

 “A areia, o saibro, o cimento: a argamassa.
  O texto, o contexto, o intertexto: a leitura.
  O leitor, o texto, a ideologia: o homem
   A argamassa, a leitura, o homem: a engenharia.”  
                                                                                     Ormezinda Maria Ribeiro



A leitura tem um papel vital para o desenvolvimento humano e para a qualidade vida. Vamos entender a leitura sob quatro aspectos principais:

1- Função ludo-terapêutica.
2- Função Intelectiva.
3- Função fisiológica.
4. Função Social.

Vejam as informações do Instituto Brasil Leitor:

“...só um em cada quatro brasileiros consegue entender totalmente as informações de textos mais longos e relacioná-las com outros dados. De acordo com o mesmo levantamento, 38% dos brasileiros podem ser considerados analfabetos funcionais, ou seja, não conseguem utilizar a leitura e a escrita na vida cotidiana. Desses, 8% são absolutamente analfabetos, e 30% têm um nível de habilidade baixíssimo, estando aptos a identificar somente  uma informação simples em um só enunciado, como um anúncio; 37% possuem a capacidade de localizar uma determinada informação em textos curtos, como uma carta ou uma notícia. (...) o nível de analfabetismo funcional fica abaixo de 40% somente quando os anos de estudo passam de oito --nível fundamental completo. No estrato de um a três anos de estudo, o percentual dos que não têm condições básicas de alfabetização atinge 83%.. O domínio pleno da leitura e da escrita só ultrapassa os 50% entre os que já completaram ao menos o nível médio (11 anos ou mais de estudo).Alfabetização e aprendizagem em leitura são processos distintos,  conformeexplica OSAKABE, citado por ZILBERMAN & SILVA (1990): Aprender a ler não corresponde simplesmente à aquisição de um novo código através do acréscimo de uma nova capacidade.”

A leitura franqueia a entrada no mundo da escrita, constituindo-se importante ferramenta de inclusão social e, conseqüentemente, da cidadania. Numa  sociedade cada vez mais grafocêntrica, falhar no projeto de formar leitores críticos corresponde a dificultar, a adiar indefinidamente o desenvolvimento humano. Compreendemos, a partir do estudo do referencial teórico, que ler não se restringe, apenas, à simples capacidade de decodificar um amontoado de palavras, mas, exige que esse leitor exercite a capacidade de fazer uma interação entre o texto lido e o mundo ao redor desse mesmo leitor (ZILBERMAN & SILVA, 1990).

Assim, a formação de leitores deve ser entendida como um processo ativo, cujo início deve ser o mais precoce possível, já que o  “...ato de ler implica participar do processo sócio-histórico.”
O início precoce pode ser impulsionado pela contação de histórias:



"Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo. " (ABRAMOVICH, 1997, p.16).

Quando o aluno lê e reproduz as palavras de um conto, assume a competência de dar vida às palavras e às ideias do texto. Esse processo se inicia com a escuta de histórias, já que ouvir histórias desperta a sensação de prazer, instiga a criança a ser um contador também, e ainda influencia na produção textual desse aluno. Senão, vejamos: "Antes que possam ler sozinhas as crianças devem escutar histórias, a fim de desenvolver o interesse pelos livros e conscientizar-se da variedade de livros disponíveis. Quando estão aprendendo a ler, a escuta de histórias funciona como uma influência modelizadora para a leitura. Essa atividade possibilita a experiência com o fluxo das palavras para formar os significados. As crianças vivenciam o prazer e os sentimentos criados pela leitura." (Kuhlthau 2002, p.50).

Machado (2002) destaca a importância da contação de história como incentivo á leitura. Considerando que um dos maiores objetivos da escola é fazer com que os alunos tenham o gosto pela leitura, sendo algo que não deve ser obrigada, mas cabe ao professor encontrar uma forma, uma estratégia para manifestar no aluno a vontade de ler. Umas das formas a ser usadas, pode ser as histórias contadas, pois, como diz Meireles (1979): o gosto de ouvir é como o gosto de ler.para quem gosta de ouvir histórias provavelmente gostará de lê-las.(p.42)






Continua...


  

terça-feira, 19 de abril de 2011

Módulo 1



Apresentação da Oficina e seus objetivos:

A Oficina de Contação de Histórias coloca em foco a importância da narratividade e o fato de que narrar faz parte do imaginário da humanidade. Histórias são contadas desde que o nosso ancestral mais remoto sentiu a necessidade de registrar o seu cotidiano nas paredes de uma caverna. Na contemporaneidade, desde meados da década de 1980, essa arte está sendo resgatada e sua estética colocada em prol da educação e do incentivo à leitura. A oficina se subdivide em duas etapas: abordagem teórica e prática da aprendizagem. 
Objetivo geral: mostrar às pessoas que elas não precisam ser narradores orais profissionais para promoverem a tradição da leitura e da oralização de histórias, utilizando a narratividade de modo dinâmico na aprendizagem da leitura. 
Objetivos específicos: 1) promover a tradição da leitura e oralização de narrativas como contos de fadas, folclóricos, populares, lendas, mitos, fábulas e histórias de vida. 2) discutir a diferença entre ler e contar; 3) conhecer autores que, no Brasil, possuem grande relevância na preservação das tradições orais, co mo Câmara Cascudo. 4) apontar critérios para a seleção de histórias; 5) favorecer que cada oficineiro/professor elabore um repertório pessoal de histórias;  6) promover a conscientização corporal/vocal/ambiental para contação de histórias. 7) Realizar um sarau de contação de histórias aberto ao público no final da oficina.
INTRODUÇÃO
Credo do Contador: Creio que a imaginação pode mais que o conhecimento. Que o mito pode mais que a história. Que os sonhos podem mais que os fatos. Que a esperança sempre vence a experiência. Que só o riso cura a tristeza. E creio que o amor pode mais que a morte." Robert Fulghum
O que são as histórias? As histórias são NARRATIVAS baseadas no IMAGINÁRIO DE UMA CULTURA. As fábulas, os contos, as lendas são organizados de acordo com o repertório de mitos que a própria sociedade produz. Quando estas narrativas são lidas ou contadas por um adulto para uma criança, abre-se uma oportunidade para que estes mitos, tão importantes para a construção de sua identidade social e cultural, possam ser apresentados a ela.
Contar em tempos globalizados: É interessante observar que o ressurgimento da arte de contar histórias remete ao período em que o fenômeno da GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA se disseminou pelo mundo, provocando a integração entre as sociedades, para promover o deslocamento de mercadorias e serviços, seja através do contatos físicos ou através dos contatos virtuais, mediados pelas tecnologias de comunicação.
A globalização não se restringiu à área econômica ou política, mas acabou se configurando, mais uma vez, como uma metodologia de imposição de culturas dominantes sobre as culturas das minorias. Dessa forma, o resgate dos contos transmitidos geração após geração, através da tradição oral, se transformou numa coluna da resistência  contra a massificação cultural.
NO PRINCÍPIO: Nossos antepassados sentavam-se ao redor da fogueira e contavam histórias que chegaram até nós e são símbolos vivos do cotidiano que experimentaram. Por isso, a fogueira, para muitas culturas, foi um ícone sagrado, não só pelo fogo em si, mas pelo que representava no sentido da afetividade e do encontro. Foi em torno de uma fogueira que começou a estruturação da vida social, os laços familiares se estreitaram e começou a se planejar um futuro.
O ato de narrar e contar histórias faz parte do imaginário da humanidade. Histórias vem sendo registradas desde que o homem pré-histórico colocou sua primeira marca nas rochas e nas paredes das cavernas. Sentiu necessidade de registrar seu dia-a-dia, desenhar seus feitos heróicos, enfim, marcar sua presença.
Após o domínio da linguagem, o homem continuou a contar seus feitos, primeiramente em cantos simples, ritmados por alguma ocupação tribal como moer milho, catar piolhos, remar uma canoa, que relatavam algum acontecimento, sempre na primeira pessoa e cantados de forma ininterrupta. Alguns autores dizem que este contar das próprias proezas foi se tornando de tal forma exagerada que, por modéstia, passaram a ser feitas na terceira pessoa surgindo, então, a figura do herói. Exemplos de cantos de trabalho: Coral das Lavadeiras de Almenara.
Fonte: BALDESSIN, S.

O esquema apresentado na figura mostra como ocorre o processo de identificação com o HERÓI.  A psicanálise afirma que essa identificação tem a ver com a nossa potência de vida, com o desenvolvimento e manutenção da auto-estima. É FUNDAMENTAL PARA AS CRIANÇAS, é IMPORTANTE PARA CADA INDIVÍDUO, independente da sua idade.
Se alguma coisa tivesse mudado na estrutura psíquica das crianças, os heróis do cinema e das histórias em quadrinhos já não renderiam os milhões que rendem.
No princípio todos contavam... Inicialmente todos eram contadores, podemos mesmo dizer que esta foi a primeira manifestação artística, pois, por trás de toda dança, toda pintura, todo canto, há uma história que precisou tanto, mais tanto mesmo, ser contada, que transpirou através do autor. Á medida que as sociedades se tornaram mais complexas, foram sendo desenvolvidas artes especializadas como o teatro, a dança e a música, e houve a separação do contar e do cantar. Assim, as pessoas que possuíam maior domínio da língua, melhor memória e sentido mais aguçado de ritmo de narrativa, eram escolhidas como contadores e deles se acercavam os ouvintes.
Os primeiros contadores profissionais foram os BARDOS dos quais havia dois tipos: os CRONISTAS que recitavam genealogias, quase sempre acompanhados por instrumentos musicais e os CANTADORES DE LOUVORES, que cantavam os feitos de seus líderes, sempre procurando valorizá-los. Isto nos remete às longínquas terras africanas onde encontramos, também, dois tipos de contadores: os GRIOTS ou AKPALÔS, que contavam as histórias das tribos, e os AROKINS, contadores residentes que viviam nas casas dos chefes, encarregados de relatar seus feitos heróicos...
Em torno desses contadores havia uma aura de magia e encantamento que se perdeu nos tempos, e que lhes conferia uma respeitabilidade que se traduzia em privilégios curiosos. Tomemos, por exemplo, os bardos:
         um bardo mestre valia 126 cabeças de gado;
         recebia do rei uma harpa e um cavalo;
         da rainha, recebia um anel, roupa de vestir e de cama;
         da corte, recebia seu sustento;
         tinha o direito de sentar-se à mesa na décima cadeira mais próxima do rei;
         podia usar vestes com até cinco cores, apenas uma a menos que os nobres;
         era dono de cerca de 350 histórias que só podiam ser contadas por ele, e do privilégio de contar na parte da frente do salão, onde apenas os altos dignatários da corte se apresentavam.
Desde aquele homem que desenhava nas paredes da caverna até os modernos grafiteiros predomina o mesmo o sentimento - a necessidade de dizer:  eu estive aqui. Cada um procurando sua maneira de se fazer lembrado. Sim, porque, afinal, esse é um dos objetivos de contar histórias: manter viva a memória dos fatos.
Mensagem Estética: valer-se da mensagem estética é importante, pois produz emoções, evoca alguma coisa profunda, íntima, dentro de nós, e que somente pode ser alcançada através da linguagem artística. Para entender melhor o que representa o prazer estético que pode ser encontrado em uma história, e como ele nos afeta, basta nos lembrarmos de como as crianças pedem que repitamos a mesma história, inúmeras vezes. Não importa que elas conheçam o desenlace, os detalhes; quase sempre elas não querem o novo, mas, a reprodução daquela mesma emoção experimentada com determinada história.
Quando contamos uma história, buscando os valores poéticos da palavra, produzimos emoção nos ouvintes, estimulamos a criatividade, favorecemos a habilidade de fazer associações. Devemos permitir que a história se apodere de nosso corpo, nossos gestos e nossa voz e alcance esses ouvintes, cativando-os. Desse modo, a realidade desaparece e outro real se sobrepõe, instigando a fantasia, abrindo um caminho de descobertas que vai dar no infinito.
Qual a importância de despertar emoções? Muitas vezes, temos dificuldades para exprimir nossos sentimentos. As crianças também sentem essa dificuldade. As histórias permitem que expressemos nossos medos, raiva, talvez a insegurança, a tristeza e a alegria. É o mesmo mecanismo que nos faz, adultos, ficarmos irritados com os vilões das novelas e nos comovermos até às lágrimas com os finais felizes dos filmes. Todas as formas de expressão artística facilitam esta catarse – na história do outro eu vivencio a minha história. Esse processo é fundamental para que aprendamos a lidar com as nossas emoções. É importante para nós adultos, também. Para os idosos, que, através das histórias, resgatam momentos importantes de suas vidas. Nenhuma emoção é negativa. Negativa, pode ser nossa forma de lidar com elas. (Pg. 9 – Emoções:medo)
Ler ou contar? A opção por ler ou contar depende da afinidade do contador com um ou outro método.  Quando pretendemos mostrar ao ouvinte a importância do LIVRO, convém LER. Manusear o OBJETO-LIVRO. As histórias estimulam o desenvolvimento de funções cognitivas importantes para o pensamento, tais como a comparação (entre as figuras e o texto lido ou narrado) o pensamento hipotético, o raciocínio lógico, pensamento divergente ou convergente, as relações espaciais e temporais (toda história tem princípio, meio e fim) Os enredos geralmente são organizados de forma que um conteúdo moral possa ser apreendido através das ações dos personagens.
A Voz: “O corpo vive, a voz vive, palpita, vibra como uma chama, como um raio de sol que nasce do nosso corpo e ilumina e aquece todo o espaço. A nossa flora vocal possui raízes que estão em nosso corpo, reflete as nossas experiências e as nossas aspirações.”(Paul Zunthor). Contar histórias permite que saboreemos nossa voz, que outras pessoas também possam saboreá-la.  A voz humana está presente em todos os momentos afetivos mais importantes da nossa história. Ainda que seja a voz, muitas vezes sem palavras, das cantigas de ninar. A vocalização da dor e da alegria é igual em todos os povos. O gemido, o riso e o grito são reconhecíveis em todas as culturas.
Portanto: contar histórias é um ato de troca, de compartilhamento, de deixar marcas e criar a ilusão de eternidade. Talvez esteja aí o motivo de esta arte sobreviver às invenções eletrônicas e à imprensa – a necessidade de contar para inscrever-se no mundo, contar, esperando que nossas histórias se eternizem sendo contadas por alguém, que as repetirá a alguém, que as repetirá... “Os baobás muito velhos, assim como as histórias na mente de um homem, não morrem nunca.” (Griots)

Bibliografia:
BALDESSIN, S.R.S. Enredados. Oficina de formação de Contadores de Histórias. Curso Apostilado. ISBN: 11373388579.
CHIAVINI, V.L.M.  Contar histórias é fazer arte.  São Carlos : UFSCar, 1994.  Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos.
COELHO, B.  Contar histórias; uma arte sem idade.  2.ed.  São Paulo : Ática, 1989.
HALEY, Gail. O Baú das Histórias –Afrikan Tales – Selected and Edicted by Paul Ra Din – New York, Shocken Books 1983. Excertos traduzidos por Baldessin, S.R.S, 1999.
 MACHADO, Regina. Acordais – fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. Difusão Cultural do Livro.
TAHAN, Malba.  A arte de ler e de contar histórias.  Rio de Janeiro : Conquista, 1957.